Justiça

“Eu só queria ver a rua, os carros e o céu”, diz homem solto após prisão por engano em Pernambuco

“Quando fui solto, eu só queria ver o céu, os carros, as árvores e respirar o ar da liberdade, porque lá dentro é sufoco. É muita gente”. Foi com essas palavras que Anderson Gabriel da Silva, de 25 anos, comemorou a saída da prisão por engano, na última terça-feira (7).

A vida dele mudou drasticamente em 11 de janeiro de 2025, quando foi preso sob a acusação de um homicídio duplamente qualificado cometido em Goiana, na divisa entre Pernambuco e Paraíba. Ele ficou dez meses recluso no Centro de Observação Criminológica e Triagem Professor Everardo Luna (Cotel), em Abreu e Lima, no Grande Recife, mas a prisão preventiva dele foi decretada por engano.

Embora não tenha cometido o crime, o rapaz possui duas características idênticas às do real suspeito: o nome dele e o da mãe são idênticos aos do autor do delito. Esse tipo de situação é conhecido como dupla homonímia, nome dado às palavras que são idênticas na grafia e na pronúncia.

“Eu nunca fui a Goiana. Estava andando de bicicleta quando a polícia me abordou. Os policiais puxaram o processo, viram o mandado de prisão em aberto, o meu nome [Anderson Gabriel da Silva] e o da minha mãe [Ana Paula da Silva] e me levaram para a delegacia, onde eu fiquei na cela”, explicou o rapaz à Folha de Pernambuco.

A reportagem apurou que o possível autor do crime está recolhido na Cadeia Pública de Monteiro, na Paraíba.

“O delegado me disse que eu havia cometido o homicídio. Eu disse que não tinha nada a ver, mas ele falou que eu tinha que dizer isso perante o juízo. No outro dia, fui para o Cotel”, adianta ele.

O primeiro julgamento
Em abril, durante a primeira audiência referente ao caso, o jovem afirmou que tentou convencer a juíza Clenya Pereira de Medeiros, que conduzia o julgamento, de que ele não seria o autor do crime, mas permaneceu preso.

“Ela perguntou se eu morava na Paraíba, eu disse que não. Perguntou minha idade e eu falei. Ainda disse, após ser interrogado, que nunca morei lá [em Goiana] e que minha família mora em Jaboatão dos Guararapes. Tenho um tio que mora em São Paulo e parentes que moram em Barreiros, no Interior”, complementou.

De acordo com a defensora pública que auxiliou Anderson no caso, Maria Cristina Ribeiro, na época da sessão do júri, uma irmã da vítima que presenciou o assassinato fez o reconhecimento fotográfico. O jovem não possui antecedentes criminais.

Neste homicídio, a irmã da vítima estava presente e fez o reconhecimento do autor. Ela indicou para a polícia civil quais eram as características do matador. A polícia civil mostrou imagens para a irmã da vítima, que identificou que era aquela pessoa que matou o irmão dela.

“A Polícia Civil identificou o nome da pessoa, que seria Anderson Gabriel da Silva. Ele teve essa identificação. [A PCPE] puxa as informações que tem no banco de dados e foi identificado que consta o registro civil de Anderson da Silva com essas características”, revelou ela.

“A Polícia Civil não se ateve ao fato de olhar foto, de fazer esse confronto mais minucioso, e encaminhou para o Ministério Público, que deu andamento ao feito. Houve a denúncia e toda uma instrução processual. É aí que mora o problema. Na instrução, a irmã do falecido compareceu em juízo e novamente ratificou o reconhecimento. Uma situação bem complicada, mas infelizmente aconteceu”, complementa.

Durante esse tempo, a namorada dele foi aos fóruns para tentar provar a inocência. Era uma corrida contra o tempo para provar a inocência do pernambucano.

Experiência
Durante o tempo em que viveu no Cotel, Anderson relatou que passou dias ruins, com pessoas que ele afirma jamais ter sonhado conviver um dia.

“Lá só tem gente errada. Tem gente que vai presa, se solta, faz a mesma coisa e volta para lá. Querendo ou não, a gente faz amizades. É muita gente. Vi um que saiu e no outro dia estava lá de novo”, descreve.

“Eu espero que a justiça seja feita. Que não aconteça isso com outras pessoas, porque tem muita gente numa situação parecida com a minha e ninguém dá uma atenção. Tem muitos inocentes lá também. Tem gente que é julgada só porque tem tatuagem. Tem outros que andam juntos e o ditado diz que ‘quem se junta com porco, farelo come’”, destaca ainda.

DPPE
Após a família de Anderson ter procurado atendimento criminal no Núcleo de Jaboatão dos Guararapes, foi identificado o equívoco e emitido o primeiro pedido de soltura, em março, por meio do defensor público Geraldo Teixeira. O caso não foi apreciado. Ao longo dos dias, o caso foi repassado à defensora pública Marina Joffily e finalizado por Maria Cristina Ribeiro.

“A Defensoria solicitou [a soltura] novamente em junho e a juíza deu negativa. Com essa nova petição, a juíza tomou para si o processo, porque já tinha sido encerrada toda a fase da instrução processual, houve esse encerramento e, após isso, parou novamente por três meses. Eu diligenciei o cartório de Goiana por mais de uma vez, pedindo aos servidores para falar com a juíza, querendo explicar o caso e perguntar o porquê dessa demora”, relembra a defensora pública.

“[O processo] já tinha sido passado por todos os servidores do Tribunal de Justiça, todos que trabalhavam lá na Vara Criminal de Goiana e de fato não tinha dado andamento ao processo. Na sexta-feira (3) passada, finalmente eu consegui um link para falar com a juíza, e na segunda-feira ela me atendeu virtualmente e disse: ‘Me desculpe, eu não tinha visto’. De fato, o processo é nesses termos de reconhecimento de homonímia”, frisa.

Com o cumprimento de diligências detalhadas – que incluíram coleta e comparação de assinaturas, análise de documentos, registros fotográficos e audiovisuais – foi comprovado que o homem preso no Cotel era vítima de erro de identificação civil.

O que diz o TJPE?
Procurado, o Tribunal de Justiça de Pernambuco foi questionado sobre o erro na execução do processo, mas o posicionamento ainda não foi emitido.

E a SDS-PE?
A Secretaria de Defesa Social de Pernambuco (SDS-PE) também foi demandada pela Folha de Pernambuco, que buscou entender por que Anderson foi mantido na prisão por tanto tempo, mesmo sem ser o principal suspeito do crime. A pasta disse que vai apurar as informações sobre o assunto.

Com a palavra, o MPPE
O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) também não se pronunciou sobre o caso.

Mário Martins

Mário Martins, durante toda sua vida procurou defender os menos favorecidos, os pescadores, os moradores do bairro, moto-taxistas e os homens e mulheres do campo. Com seu Blog, tenta informar Afogados-PE e região sobre os principais acontecimentos.

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